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Ser mulher numa sociedade tão machista traz muitas marcas nas vivências de todas nós, mas ser mulher em situação de rua acarreta uma série de outras interseccionalidade, de violações de direitos, que são muito graves. Todo o tempo que eu trabalhei com a população em situação de rua, as mulheres sempre relataram muitas situações de violência, de violência sexual, de permanência com parceiros abusivos e violentos como uma forma de se protegerem contra todas as demais agressões nas ruas, além de todas as violências que as pessoas em situação de rua vivem.




Muitas mulheres relatavam que estavam em situação de rua por estar fugindo de uma família em que tinha cenários de abuso sexual e de violência, e que sair de casa foi uma forma de tentar se proteger.


É claro que são muitos casos, e são muito heterogêneos os motivos pelos quais as pessoas vão viver em situação de rua, mas as diversas formas de violência doméstica marcam muito a ida das mulheres para a rua.


Dito isso, é importante ressaltar as políticas públicas, que devem se atentar para as especificidades das mulheres que estão em situação de rua. Embora os dados apontem que o número de homens nessa condição é maior, as mulheres vivem uma intensidade de violência muito grande por serem mulheres, e por isso a necessidade das políticas públicas terem essa atenção, esse cuidado.


Um ponto importante é sobre a negação às mulheres em situação de rua o direito de ser mãe. As políticas públicas têm atuado muito nesse sentido, especialmente por meio da retirada compulsória dos bebês, impedindo que elas exerçam o direito e desejo de ser mãe.

Dessa forma, é preciso reforçar e respeitar o desejo que elas têm de serem mães, e que as políticas públicas possam atuar a fim de garantir esse direito e oferecer condições para que a mulher exerça a maternidade, cuide do seu filho e se realize.


É preciso abordar ainda, os casos de mulheres que estão com sua família em situação de rua, com o seu(s) filho(s) e o seu companheiro (a). É importante que o acolhimento institucional garanta que a família permaneça unida e que ela não tenha que ser fragmentada para acessar a política pública, porque isso só fragiliza os vínculos das mulheres, os laços de proteção, de amor e afeto.


As políticas públicas precisam agir para fortalecer esses laços. Quando o marido tem que ir para o abrigo do homem, a criança para o abrigo infantil e a mulher para outro local, estão fragilizando os elos, portanto é fundamental que o acolhimento seja pensado integralmente.

E especialmente que seja garantido o direito à moradia as mulheres, bem como a todas as outras pessoas, essa é uma das principais bandeiras do movimento da população em situação de rua.


A partir da moradia as pessoas conseguem se organizar melhor, acessar e garantir outros direitos, como trabalho, educação e segurança pública, este último essencial, já que quem está em situação de rua, principalmente a mulher, convive com muitas violências, que não vivenciariam se estivessem dentro de uma casa, construindo seu lar.


Como as mulheres sofrem muitas violências por serem mulheres é muito importante que seja garantido a elas o direito a moradia, como um direito que possibilita uma vida digna. Por isso, assim como na política do bolsa família, que seja priorizado políticas públicas para as mulheres que estão em situação de rua.

Atualizado: 15 de mar. de 2021

Meu nome é Alessandra Martins, tenho 40 anos, sou uma mulher negra e venho de uma vivência de quase 20 anos nas ruas de Belo Horizonte.


Na coluna Opinião desta semana conversamos com Alessandra Martins, agente social do CEDDH MG.


Ao longo dessas quase duas décadas, posso falar da experiência ruim da vida, porque nesse período eu me envolvi com drogas, com o crime e com o tráfico, mas hoje eu sou uma mulher limpa, digna e orgulhosa de ser a mulher que eu sou.




Já fui presa para pagar pelos delitos que eu cometi. Sobrevivi a tudo, superei meu vício com as drogas e com a química, então eu literalmente sobrevivi. Têm 10 anos que estou limpa, graças a Deus.


Entretanto, não vou falar sobre essas tristezas da minha vida, desse período das ruas, já que é muito particular, e cada um tem a sua vivência. Se for para aprofundar eu tenho muito que dizer, mas hoje não é o momento de se angustiar.


Preciso falar sobre gratidão. Sou grata às pessoas, porque quando eu necessitei, elas me ajudaram. Primeiramente, agradeço a Deus e também a Pastoral de Rua. Eu cheguei à Pastoral sem nada e com vida pela misericórdia de Deus. Eu tinha um vazio muito grande e eles me receberam com todo amor e carinho e vem me tratando da mesma maneira ao longo desses anos, acreditando em mim.


Agradecer, essa palavra é importante demais. Por toda a minha vida serei grata à dona Geralda (Asmare), que me deu a primeira oportunidade de emprego honesto e me proporcionou levar o sustento para a minha casa. Ela me acolheu e me ensinou e por tudo ela é minha referência e tem toda a minha admiração, eu me espelho muito nessa mulher maravilhosa.


O momento é de parabenizar a todas as mulheres, não apenas as que estão em situação de rua. Hoje o meu abraço e a minha palavra vai para vocês, mulheres! Se amem, se cuidem e não deixem ninguém ditar como vocês têm que ser e viver. A vida é vocês e são vocês que devem cuidar dela.


Nós temos vida própria, ame-se em primeiro lugar.

Faço também um apelo às mulheres que ainda estão cegas, que não conseguem ver a dimensão que há nessa terra, quantas mulheres e violações. Se você está sofrendo violações ou se você conhece alguém que vive essa infelicidade da vida, denuncie!


Como mulher, como mãe, como avó e agente social do CEDDH MG, eu peço para que as mulheres tenham mais amor próprio e cuidado, já que quando se trata de mulher, ela não precisa ser mãe e não precisa ser avó, ela só precisa ser mulher, se aceitar e se cuidar.


Hoje eu repito a mensagem: se ame e se cuide acima de qualquer coisa.

Quando a gente fala de população em situação de rua, é preciso considerar que é um fenômeno extremamente complexo, com perfis que incluem homens, mulheres e LGBTQ. Eu enxergo a velhice em dois pontos: o fato de estar na rua acelera o processo de envelhecimento, que é mais intenso nesses casos, do que uma pessoa que tem a condição da moradia, do trabalho, enfim que não se encontra em situação de rua.


A rua já compromete o conjunto de necessidades básicas do indivíduo, e a busca pela sobrevivência intensifica e apressa o envelhecimento. Existe um dito popular que exemplifica bem essa circunstância: “dormir um dia na rua é como se você tivesse vivido um ano”.



Além disso, é preciso considerar os perfis, já que nem todos conseguem alcançar a idade do envelhecer preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), os 60 anos.


No Brasil para acessar algum auxílio em função da faixa etária, como, por exemplo, o benefício de prestação continuada (BPC), a pessoa precisa ter 65 anos. Dessa forma, para as pessoas que estão na rua chegarem a essa idade, é um processo de sofrimento muito intenso, com doenças e outros agravantes, contudo elas possuem uma coragem, uma garra para continuar lutando. E quando conseguem obter o benefício, nem sempre o valor é suficiente para a sobrevivência, haja vista é preciso organizar uma moradia, pagar um aluguel, ou mesmo uma pensão. A partir daí começam outros desafios da subsistência, e nesse percurso de cronificação do envelhecimento da rua, é difícil as pessoas aderirem e conseguirem estar dentro de uma casa. Muitos continuam ali na rua, permanecem nos abrigos e nos albergues.


Outro problema grave é que os idosos que conseguem o amparo financeiro, ainda são vitimas dos empréstimos. Temos a situação de uma pessoa que vive na hospedagem, e do salário mínimo que tem direito recebe apenas R$ 2 de aposentaria. O restante está comprometido, são três financeiras em Belo Horizonte e duas no Espírito Santo, cinco empréstimos para uma única pessoa. Como essas empresas conseguem os dados ou autorização do beneficiário?

Ainda sim, é que muitos pegam esse recurso e se veem nas ruas, nos abrigos e nos albergues.


Eu enxergo a necessidade de outro olhar, um cuidado diferenciado para esse caminhar do envelhecimento da população em situação de rua. No sentido de preservar o bem estar, a saúde, com políticas que sejam estruturantes e que ofereça uma moradia, com modalidades diferenciadas, que seja pequena república para idosos, a partir dos 60 anos e não a partir dos 65 anos.


Ademais, existe outra variável, os serviços da população em situação de rua, albergue ou abrigos, recebem as pessoas até os 60 anos, essa é a regra, mas podem acontecer algumas raras exceções. Dessa forma, se ultrapassou a faixa dos 60 não é aceito, porque já é considerado velho. Por outro lado, as instituições asilares, chamadas de ILPI’s (instituições de longa permanência) admitem pessoas a partir dos 65 anos, quando elas têm acesso ao benefício e podem contribuir, mesmo a instituição sendo pública.


De modo que, essas senhoras e senhores ficam no espaço que não é espaço, um sem lugar nessas transições de faixa etária. E durante a pandemia, nós observamos o aumento nas ruas de gente envelhecida, sofrida, que é também fruto da condição econômica, vítimas do despejo, por não conseguirem pagar o aluguel. Nós temos um caso em que ele não conseguiu honrar o compromisso do aluguel e foi despejado em plena pandemia, e o que sobrou foi a rua. Nós temos gente nas hospedagens com mais de 60 anos e outros acima dos 65.


Portanto, nós temos um cenário de muitos desafios, de políticas públicas para a população idosa em situação de rua, precisamos de uma modalidade de atendimento, além do serviço de abordagem e a falta disso nos deixa limitados.

Sobre as hospedagens: são casas pensadas em princípio para o período da pandemia. Abrigamos idosos e pessoas com comorbidade, mais sensíveis ao vírus.


Roseni Ferraz Oliveira, que é psicóloga e atua na Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de BH


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