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Um olhar sobre os velhos da rua.

Quando a gente fala de população em situação de rua, é preciso considerar que é um fenômeno extremamente complexo, com perfis que incluem homens, mulheres e LGBTQ. Eu enxergo a velhice em dois pontos: o fato de estar na rua acelera o processo de envelhecimento, que é mais intenso nesses casos, do que uma pessoa que tem a condição da moradia, do trabalho, enfim que não se encontra em situação de rua.


A rua já compromete o conjunto de necessidades básicas do indivíduo, e a busca pela sobrevivência intensifica e apressa o envelhecimento. Existe um dito popular que exemplifica bem essa circunstância: “dormir um dia na rua é como se você tivesse vivido um ano”.



Além disso, é preciso considerar os perfis, já que nem todos conseguem alcançar a idade do envelhecer preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), os 60 anos.


No Brasil para acessar algum auxílio em função da faixa etária, como, por exemplo, o benefício de prestação continuada (BPC), a pessoa precisa ter 65 anos. Dessa forma, para as pessoas que estão na rua chegarem a essa idade, é um processo de sofrimento muito intenso, com doenças e outros agravantes, contudo elas possuem uma coragem, uma garra para continuar lutando. E quando conseguem obter o benefício, nem sempre o valor é suficiente para a sobrevivência, haja vista é preciso organizar uma moradia, pagar um aluguel, ou mesmo uma pensão. A partir daí começam outros desafios da subsistência, e nesse percurso de cronificação do envelhecimento da rua, é difícil as pessoas aderirem e conseguirem estar dentro de uma casa. Muitos continuam ali na rua, permanecem nos abrigos e nos albergues.


Outro problema grave é que os idosos que conseguem o amparo financeiro, ainda são vitimas dos empréstimos. Temos a situação de uma pessoa que vive na hospedagem, e do salário mínimo que tem direito recebe apenas R$ 2 de aposentaria. O restante está comprometido, são três financeiras em Belo Horizonte e duas no Espírito Santo, cinco empréstimos para uma única pessoa. Como essas empresas conseguem os dados ou autorização do beneficiário?

Ainda sim, é que muitos pegam esse recurso e se veem nas ruas, nos abrigos e nos albergues.


Eu enxergo a necessidade de outro olhar, um cuidado diferenciado para esse caminhar do envelhecimento da população em situação de rua. No sentido de preservar o bem estar, a saúde, com políticas que sejam estruturantes e que ofereça uma moradia, com modalidades diferenciadas, que seja pequena república para idosos, a partir dos 60 anos e não a partir dos 65 anos.


Ademais, existe outra variável, os serviços da população em situação de rua, albergue ou abrigos, recebem as pessoas até os 60 anos, essa é a regra, mas podem acontecer algumas raras exceções. Dessa forma, se ultrapassou a faixa dos 60 não é aceito, porque já é considerado velho. Por outro lado, as instituições asilares, chamadas de ILPI’s (instituições de longa permanência) admitem pessoas a partir dos 65 anos, quando elas têm acesso ao benefício e podem contribuir, mesmo a instituição sendo pública.


De modo que, essas senhoras e senhores ficam no espaço que não é espaço, um sem lugar nessas transições de faixa etária. E durante a pandemia, nós observamos o aumento nas ruas de gente envelhecida, sofrida, que é também fruto da condição econômica, vítimas do despejo, por não conseguirem pagar o aluguel. Nós temos um caso em que ele não conseguiu honrar o compromisso do aluguel e foi despejado em plena pandemia, e o que sobrou foi a rua. Nós temos gente nas hospedagens com mais de 60 anos e outros acima dos 65.


Portanto, nós temos um cenário de muitos desafios, de políticas públicas para a população idosa em situação de rua, precisamos de uma modalidade de atendimento, além do serviço de abordagem e a falta disso nos deixa limitados.

Sobre as hospedagens: são casas pensadas em princípio para o período da pandemia. Abrigamos idosos e pessoas com comorbidade, mais sensíveis ao vírus.


Roseni Ferraz Oliveira, que é psicóloga e atua na Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de BH


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